quarta-feira, 22 de abril de 2009

Não te enganes, isto é prosa


um dois três... cigarros
nunca aprendi a tragar
mas sorvi cada um deles
- teu prazer secreto -
como se teu sexo fossem

sexta-feira, 17 de abril de 2009

O Encontro ou "A persuasão de Caronte"


Orfeu, de Moreau (1826 - 1898)


Passos que se cruzam entre pernas que se trançam, nos pés sapatos, meias, pêlos, peles áridas que não se tocam e vão andando, misturando, corporificando e massificando tantos eus que estão aglutinados em nós. Neste mar de loucas enunciações entrecruzadas, entrelaçando-se, na grande metrópole o coito cotidiano segue, são milhões de referências, citações e soberbas ironias. Daqui ele vai para lá, risos, risadas, gargalhadas e histerias recheiam a tarde, passos entre braços, entre bolsas, entre rádios-celulares de alta resolução com seus mega-pixels que retratam o nada que se vê dentro de tudo. Corre as flores para a entrega, zarpa a moto pro delivery, são pastas de executivos, cabelos batidinhos, saias, meias calças, lojas, frango assado rodando na porta da padaria, exposições de arte assando dentro das galerias, livros, descontos, comprados, vendidos, difundidos, amassados, amarelados. Ali no café, depois no banco pra ir pro ponto. Prédio que mete tudo no céu sem vaselina ou saliva pra deslizar. Caos de manhã, aquecimento global a tarde, programa a noite. Vasto, vasto campo subterrâneo, rodam as loucas catracas numa sinfonia jazzistíca, apitos sonoros fecham portas errantes de uma vida que passa entre faíscas soltas dos fios elétricos que guiam o senhor Clímeno e seu cão Cérbero, que cuidam da distribuição das vidas pelas grandes estações subterraneas. Num instante, no meio da multidão que habita o Reino dos Mortos, o tempo se dilata. A lira põem-se a chorar. Eurídice vestida no seu manto azul celeste segue o fluxo putreficado dos que já morreram, mas por um instante ouve, reconhece e lembra. Olha para o tocador que com lágrimas nos olhos deixa-se engolir pelo som eletrizante do caos, ele abaixa a cabeça com sua candida lágrima a corroer o peito preenchido de silêncio. Eurídice olha-o e segue seu caminho.