sábado, 14 de setembro de 2013

CATAVENTO

Antes eu bem te sentia: sopro de brisa ou vendaval. Sentia e ouvia o teu zunir, mas não te enxergava. Hoje vejo esse tropel de cores no catavento em que te prendi, fazendo coro à bagunça que deixastes nos meus cabelos, na minha cabeça, em mim. 

Brincas ainda de derrubar latas, levantar saias, arrancar telhados.

Furacão. 

Mas, porque te vejo, és minha: ventania.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

paisagem




um mar sem rio que lhe desaguasse
areia.
Grãos de areia;
tantos e únicos grãos de areia
imperceptivelmente diferentes entre si,
cada um dos grãos se move
movem-se discretos numa
ONDA-MASSA sem cor.

Grãos de areia, são.
São areia.
Um punhado em mãos, é, ainda, o todo, Areia.

Centelha
Faísca
Belisco ardido do sol.
O Astro-rei grita no azulzíssimo céu e
se languifaz... lambidas... labaredas escorrem aos litros desde as paredes mais longínquas do deserto.
Aproximam-se.
Demoram-se.
Enamoram-se.
Adormecem em cada pedaço de chão.

Menina de boca gigante.
A tudo devora e não enxerga
:
são apenas grãos. 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

MELAGKHOLIA


me.lan.co.lia. sf. Estado de humor caracterizado por uma tristeza vaga e persistente.

BILHETE
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
(Mário Quintana)

Baixinho, baixinho assim eu não te ouço, nem o teu gemido e nem o teu sussurro. Baixinho, baixinho assim eu não percebo nem o teu pavio curto e nem o teu carinho. Baixinho fica dificil de ouvir teu elogio, se me tem febre, se me  tem saudade, se me tem orgulho. Baixinho que nem segredo e escondido assim, parece ilusão de festa, parece que termina quando o dia nasce. Deixa eu puxar seu ouvido para o canto e confidenciar esse desastre que é o meu coração, dizer que aqui dentro pareço uma menininha insegura que tem medo de ter aberto uma frestinha pra você entrar. Apesar de ser assim uma mulher forte e confiante, que samba no meio da roda, que chama pra sair, que deita sem pensar, que chora ao mesmo tempo que ri. 

Ainda assim toma conta, cuidadinho, com esse instrumento de trabalho, com esse ganha pão, sem ele não tem vida pra amanhã, ou sorriso e nem espera, sem ele pode faltar luz e a vela, eu decidi não trazer desta vez, arrisquei, abri a janela. Baixinho assim parece silêncio e com esse deus eu já briguei, discuti, esperneei.

Silêncio para que me ame bem alto, entre buzinas, fanfarras e passarinhos.  

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Melancholia

Eram freqüentes os dias em que, estando quietos na cama, eu suspirava e dizia: "É tão difícil, né?". Em cada uma das vezes, ele perguntava: "O quê?"

Decerto não percebia que eu já tinha aquela frase como uma interjeição; escutava-me sem ouvir. Também é possível que indagasse esperançoso de que a resposta mudasse algum dia.

Contudo, sempre respondi a mesma coisa: "Viver."

Dito isso, eu o abraçava forte ou beijava-lhe o rosto de leve e pensava (apenas pensava): "Ainda bem que tenho você pra viver comigo!".

Talvez ele não quisesse morrer comigo.