domingo, 6 de novembro de 2011

Procissão

I.

Santos saem dos oratórios,
meninos,
crianças,
senhorinhas,
velas amarelas,
canto entoado na seda da noite quente.
Passos que caminham e murmuram
pelas ruas centenárias do mártir,
do louco,
do homem pleno.
As pedras do caminho
ecoam sons negros,
gritos,
balidos
na noite alta.
Marília,
Barbára,
Gonzaga,
Joaquim,
Silvério,
Cláudio.
Senhoras com seus véus
audazes
- que esquecem os banidos,
ignoram
os parvos,
degradam
a memória
dos sem espíritos -
com suas vozes
vorazes,
velozes,
atrozes
em suas penitências,
em seus pecados,
em suas sandálias
deixam soarem os sinos das igrejas
escandalosos
sobrepondo os ecos
noturnos
das pedras douradas.

II.

De dentro da igreja saem negras
robustas,
senhoras augustas,
sons eloquentes,
Glórias!
Vivas!
Memórias pendentes.

Evocação

I.

"Não chores tanto, Marília,

por esse amor acabado:

que esperavas que fizesse

o teu pastor desgraçado,

tão distante, tão sozinho,

em tão lamentoso estado?"

A bela, porém, gemia:

"só se estivesse alienado!"

Cecília Meireles


II.

"Marília, tu chamas?

Espera, que eu vou!"

Tomás Antônio Gonzaga


Pelas portas que adentrei conheci Vila Rica, aquela protegida pelo gênio original

-Tomás Antônio Gonzaga, o exilado, e sua casa,

casa de mil portas,

casa de mil ares.

Marílias se descortinam

em horizontes e janelas.

Marília efígie de rosto virado,

passarinho

que revela tempos idos.

Marília doce amada do poeta,

esquecida,

extraviada,

trocada.

Marília nos morros,

Marília na vista,

revista,

transfigurada,

deixada.

Marília, imagem

deformada,

empoeirada

que regressa

nas quadrinhas

bobas, apaixonadas e

insubstanciadas de verdade

no peito de um triste pastor que anseia por escuta.

Marília centenária.

Marília encarquilhada.

Marília eterna.