segunda-feira, 27 de julho de 2009

Rayuela


“Certo dia, deu-se conta de que seus amores eram impuros porque pressupunham essa esperança, enquanto o verdadeiro amante amava sem esperar o que quer que fosse fora do amor, aceitando cegamente que o dia se tornasse mais azul e a noite mais doce..."
Julio Cortazar

Caminhar
entre o céu e o inferno
já não é
um jogo de amarelinha
e
nossas palavras cruzadas
são como espadas
em combate.
Somos, então, adversários
nos mesmos pátios
onde fôramos
companheiros
de
travessuras.
Qual moira às avessas,
desfazem, nossos passos,
a urdidura.
Mas a pedra, a pedra na linha,
no meio do meu destino,
será a mesma
que carregarás
por todo o teu caminho.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A rua da província

desenho de Aldo Zanetti


Vamos tomar um chá de pernas com a velha senhora que vende seus minutos de prazer em tantos buracos, negociaremos um chá de glandeos, períneos, auréolas e pêlos. Ao fundo o som decadente de um blues irritante em sua sala de neons multicoloridos.

Esta velha senhora de néctar ousadamente delicado me deixa aos berros, coloca-me incerto de minha certezas planas, vamos beber o sumo candido em sua poltrona aveludada. Dona dos meus olhos, mostra-me o amor de suas virginias, abraça-me com seus paêtes e suas unhas encarnadas, deixa-me vulnerável com seu ópio, com seu sistema falho de ovulação.

Minha deusa, passei por muitas janelas em toda essas noites em que estive a vagar e a lutar contra dragões. No entanto, só agora que cheguei nessa província é que me deparo novamente em frente aquela única, de candeeiro baixo e paredes corroídas, em que eu não posso entrar.


sábado, 4 de julho de 2009

Carta ao dignissimo senhor D.


Digníssimo senhor D, venho por meio dessa carta informar ao senhor que o inverno chegou, as mocinhas trajam roupas mais quentes e os rapazes usam cachecóis, as árvores estão cada vez mais secas e peladas e as noites são um misto de marrom com um bordô meio enviezado para a tristeza.
Pelo visto o senhor tem trabalhado demais, e sua mãe, me diga dela, melhorou daquelas moléstias que o fez desaparecer tão repentinamente?
Por aqui as coisas andam frias, acho que logo mais a neve irá tampar a porta de entrada da casa. Sinto que é preciso que Agosto chegue logo e com ele os raios de sol primaveris, lembro-me bem do calor daqueles dias agostinos em que nós andávamos a contemplar os lírios e a dar risadas dos tolos obsecados que corroboravam com o cinzento ar matinal da cidade grande.
A Maricotinha está namorando firme, a Juju anda iludindo uns amores tolos. Terminei aquele livro e escrevi aquele texto, terminei o curso de datilografia e estou trabalhando numa repartição pública. Acho que me alistarei para o exército no verão, ouvi dizer que o Brasil está precisando de braços fortes para a luta armada.
Querido amigo, mande lembranças.Essa sua ausência que culmina nesse silêncio não lhe cai bem.

Do sempre seu companheiro de parque,

Mizu.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O Trem das Cores




Eu queria um texto cheio de imagens, desses que vão refletindo como espelho aquilo que a gente não mostra claramente ao falar de amor, de solidão e de esperança, deixando toda a intenção real de quem escreve sublimada.
Um texto universal que falasse todas as línguas e ressonasse o som da chuva, chiando pelas encostas do riacho e desembocando na parte mais densa do mar tombando gotas fluídas de verbos esvaidos em flancos inflamados que pudessem dizer da paz que é sentir-se bem.
Eu queria saber usar as cores vibrantes e rubras dos tangos argentinos, que as minhas palavras escorressem como o sangue de minhas mãos cortadas pela lamina prata da navalha dizendo assim das escatologias, das visceras, daquilo que está dentro e que se põe exposto a partir do momento que o verbo se torna hemorragia de sensações.
O meu texto deveria pretender falar de coisas inerentes ao ser humano, mas eu percebi que sobre isso eu não sei falar, eu não consigo estabelecer a ponte entre o tu e o eu, não há o que dizer. Eu não sou poeta.