sábado, 28 de junho de 2008

"mar de amor, ..."




mar de amor, em ondas
me vagueias, enreda-me em tuas teias
ardentes águas-vivas





Imagem: First Light, Christina Hope (1989)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Romeu Silenciado.


Não foi o rouxinol nem foi a cotovia. Acendo um cigarro apressada olhando pela janela, não há notícias suas no rádio nem no jornal. Desaparecido.

Faz tempo que você se foi, prometeu-me um sinal, uma volta, um vôo rasante para me buscar. Dizem que está no México, mora num trailer, vive os dias mais quentes andando pela relva curta que nasce aos poucos na terra vermelha da América Central.

Daqui dessa janela o universo é azul, monocromático, estático. O frei veio benzer-me, nos casou há dias e também não traz notícias suas. Confessei, me matarei numa tarde cinzenta. Como uma mulher vive sem o marido antes que ao menos o ato fosse consumado?

Está confessado, mato-me agora e ninguém me possui.

O que é uma rosa? Um cheiro, um nome, uma cor? Continuaria sendo uma rosa mesmo tendo outro nome? Claro.

Cigarro, arsênico e pólvora.

Um bilhete singelo: Querida volto hoje para buscar-te.

Não foi o rouxinol nem foi a cotovia a madrugada é eterna.


* Ilustração de Octavia Monaco para o livro Romeu e Julieta, Nicola Cinqueti

sábado, 14 de junho de 2008

"Gosto de chorar os meus mortos..."

Gosto de chorar os meus mortos e já não sei se meu murmúrio atrai estes fantasmas.

Tão distante como não acordar por um dia; tão próximo como levar a mão à boca - e eu sorrio e choro e vivo. Sei que não é meu corpo ainda clamando por luz. Não busca a luz e os espaços, meu corpo. Espera, ainda, que os mortos da última estação comecem a brotar; que eles sejam as flores a enfeitar minha mesa.

Mesa posta para o jantar. Todos bebem. Riem de seus próprios ditos espirituosos. Eu, que nunca sei bem o que dizer, ouço a tudo. Atenta, embora meus lapsos de memória não permitam que eu distinga as palavras em forma e sentido.

Mas percebe aquela formiga se movendo entre as pétalas? Silenciosa. Atônita. Mimética. Ainda há pouco, não era a mesma que vejo agora. Ou, então, é a mesma de ontem. E isso não tem a menor importância. O que me interessa são as vozes contidas em seu movimento desordenado, neste instante em que não está entre os seus. E quem, de mim, espera que eu não seja o mesmo vulto de cores e negrume contidos nas flores e nos insetos?

Sejamos bem educados. Movamos os talheres sem agitação e tentemos não acordar as crianças com nossos risos desmedidos. É preciso conter os gestos e fazer-nos sisudos para não sentirmos dor. Não preciso que me ensinem a sepultar os dias mal vividos e queria para sempre não ensinar.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

"Tentativa De Prosa Numa Tarde De Junho" ou "Relicário" ou "A História Da Menina Em Poucas Linhas"




A menina caminhava cabisbaixa. Olhos voltados para nada. Cabelos pretos, pés descalços. Pisa o chão lameado da chuva de ontem. Uma formiga sozinha no caminho. A mão em pinça colhe o inseto e o põe na boca. Ela já não segue o caminho.

sábado, 7 de junho de 2008

- Vem!

olhares.comMereces um amor de lascívia e poesia!

Um amor, assim, como o meu: insaciável
e melancólico, decerto. Amor em versos
que repousam na atmosfera inconsciente
das palavras sussurradas e nunca ouvidas;
... ensurdecido por ofegante respiração.

Um amor, assim, como o meu, merece
tua volúpia e teu desatino e teus dizeres
de libertino, que são mais um ímpeto infantil;
desejo curioso de menino, desvendando
segredos inconfessáveis do espelho ao avesso.

Perdoa-me, pois esqueço que este amor, nosso,
é feito de portas que se fecham e despedidas.
Mas é, ainda, memória viva. Pequeninas mortes
e delícias revividas, enquanto me debruço na
janela, desmerecendo sorte e adeuses:

- Quero-te, amor, com lascívia e poesia!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Dois dedos de prosa

Paulino Barreiros: Rodolfo (pai) , Sebastião (avô) e Tobias (tio)

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Cresci ouvindo de meu pai sobre o dia em que estava ajudando o vovô a fazer uma porteira. Meu pai menino admirava aquele homem pelas histórias que sabia contar e pelo trabalho que executava - tão difícil era a arte da carpintaria e tão importante num Paraná que precisava se abrir em campos de pasto e lavouras.

Trabalhavam calados. Não poderíamos supor quantas coisas pensavam, cada um deles, enquanto exerciam suas tarefas principais: o pai deveria ensinar, o filho deveria aprender. Num momento, porém, o menino expressou a única comparação que julgara digna do pai de quem tanto se orgulhava:

- Papai, São José devia ser um bom carpinteiro, né? Ele era pai de Cristo...

Ao que vovô respondeu:

- Ele não era pai de Cristo e era péssimo carpinteiro.

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Os tios são aqueles sujeitos que costumávamos visitar em nossa infância. Fartávamo-nos de brincar com os objetos de sua estante, entediávamo-nos com as longas palestras entre nosso pai e eles, por fim, dormíamos profundamente em seu sofá. Acordávamos no dia seguinte em nossa cama - ou berço - sem saber como havíamos chegado ali.

Chega um dia em que a gente cresce e os tios morrem.

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