domingo, 18 de janeiro de 2009

Fim de tarde na beira do mar


Relâmpago no mar,

é a mão de Deus que desce dos altos céus

para apanhar um golinho d'agua.

Marinheiro na beira do mar

senta,

bebe,

fuma

esperando que Deus alivie sua ressaca.



A lamparina acesa,

os barcos atracados no cais

Iaiá servindo um golinho d'aguardante

é o paraíso terreno.

Num fim de dia sem sol,

peixes fartos:

o silêncio da enseada se rompe,

às vezes pelos estrondos da mão n'agua,

às vezes pelo canto eufórico do marinheiro

à beira mar.

sábado, 17 de janeiro de 2009

"Hoje eu quero tocar a memória..."


Hoje eu quero tocar a memória com a ponta dos dedos e ouvir a quentura de sua face. Quando enternecida pelo longo tempo, a memória se nos dá febril. Seus beijos são labaredas em noite de chuva fina. Gosto de roçar os cílios na face dos dias passados; mas, sobretudo, amo sabê-los distantes de mim.
Desenho meu espaço neste instante e ao que não mais há, concedo qualquer gosto quimérico. As letras e as imagens são intensas como aqueles dias de sol em que estendíamos alvos lençóis sobre os varais; como as noites frias em que contávamos lágrimas sob a lua. Sempre a história de ontem; a mesma cor, o mesmo gosto.

Vou dando corpo às lembranças; vou lembrando o corpo de sensações então esquecidas. Esquecidas somente para que neste momento eu pudesse recordá-las; aproximam-se num tumulto de vozes como se me quisessem oferecer consolo, palavras de afeto.

Então revelo meu segredo em baixa voz: minhas mãos já aprenderam a morte. Pouco ou nada mudou. De nada valeu gritar o fim e anunciar novas paisagens. Sempre torno ao mesmo ponto, ainda que faça meu curso em espirais.

sábado, 3 de janeiro de 2009

"Algumas vezes, pessoas lançam ao mar..."

Algumas vezes, pessoas lançam ao mar pedidos de socorro em garrafas; outras vezes, os lançam por sob as portas e os fazem penetrar as casas e as vidas. Não importa em que língua falem, a quem queiram falar, ou o quê; são sempre os mesmos pedidos de socorro.

Não estou diante do mar; mas lanço garrafas com bilhetes e durmo ao canto gostoso das vagas. Um canto que não é, ainda, o murmurinho do mar; apenas o som do amor que eu imagino para aquele corpo de maré.

Maré - eu sei que não estará nunca, sem ir embora um pouquinho. Mas eu imagino: imagino infinitos e eternos; de outro modo não sei fazer. Os dedos brincam desenhos na quentura da areia, silenciosos grãos: invento meu novo amor.

Que os ventos não soprem antes que eu o saiba verdadeiro, quente, doce.

(outubro/2006)