sábado, 19 de junho de 2010

Poema

Enfim, um poema limpo
sem vísceras
nem lágrimas
sem saliva
nem gozo
só o poema
sem poesia.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Entremeio

Modo de usar: lê em sussurros...
 
Victoria Abril e Antonio Banderas em "Ata-me!" de Pedro Almodovar.

Para R. H. S.


Queria encontrar o fio e desfazer a trama que todo dia se emaranha no meu coração. Refazer o novelo, desenrolar a novela sem mescla de drama. Vem. Ajuda-me neste enredo, tira de mim o medo de voltar pra tua cama. Desenlaça meus cabelos; qualquer bobice, exclama. Ata-me! neste ponto. Ensaia a cena, prepara o ato, enfrenta a chama. Lança as teias deste conto, escreve em mim o gosto de ser tua cortesã e tua dama. Vem. Aproxima o rosto, aperta os laços, dize que também me...

domingo, 6 de junho de 2010

Esse sentimento

"Ah, não acreditas em mim. Pois eu acredito na sua descrença e já penso em como parecer mais verdadeiro, em mostrar dados, fatos; esta aí: minha vida. Mostro-a com minhas duas pequenas mãos. Ainda não posso falar, porque toda essa correria me fez perder o fôlego.
Respira então criança.
Acredito nas pessoas e no poder de revelação delas, daí que surja sempre a desconfiança em mim. Estou sendo correto? - pergunto."
Mateus, O Antigo




Aprendi que não se diz "respira, criança" olhando nos olhos e pronunciando os fonemas de "respira, criança". Dizemos isso estendendo as mãos, tomando nos braços, beijando. É assim que se faz. Assim devemos fazer para que a criança confesse o vaso quebrado e não precise mais mentir, e perdoamos.

As crianças mentem o tempo todo e não é de maldade que o fazem. Eu minto às vezes e sei que você quase sempre duvida de mim. Digo que você deve mesmo duvidar, mas apesar da dúvida peço que confie em mim. Confie no amor que declarei assim: olhando nos olhos e pronunciando cada fonema de "eu te amo" - um "eu te amo" sufocado entre tantas outras palavras desnecessárias, erguidas como barreira entre a verdade enunciada e a realidade imediata.

Não acredite, porém, se sob a garoa fina eu pedir para que vá embora. Eu quero que fique. Eu quero você sempre perto e não sei por qual motivo. Não sei porque eu te amo e não acredite em nenhuma de minhas tentativas de explicação - eu não sei explicar e talvez não queira mesmo racionalizar esse sentimento. Não esteja tão certo de que quero ficar sozinha se por acaso eu voltar as costas - eu quero que impeça minha partida. Mas de tudo isso, e tantas outras coisas de que você pode duvidar, não duvide nunca de que eu te amo.

E se eu disser que não espero nada de você, duvide. Eu digo isso apenas para que você não se sinta constrangido; trata-se de uma resignação forjada - uma defesa contra esse peso tão pesado e disforme que é a esperança. Eu não espero nada de você, apenas que me surpreenda nesse meu querer. Não exijo nada de você, mas eu quero tanto...

Não sei se cabe ao amor dissipar a amargura que nasce na alma no infinito dos tempos, de um tempo que o homem nem ousa medir. Não sei se é preciso estar vazio para o amor se fazer pleno - isso é você quem diz. E se não fosse você a dizer, eu teria amado essas palavras? E se não fossem suas as palavras, eu te amaria tanto? Ninguém deveria se preparar para o amor, julgando que um dia estará pronto - porque amamos, plenos ou vazios, por tudo o que fazemos e dizemos. Eu te amo por tudo o que você faz e diz; te amo por tudo o que você quer fazer e dizer; te amo por tudo o que você não quer fazer ou dizer; por tudo o que silencia.

E também te amo pelo que eu mesma faço ou desfaço, digo ou apago, grito ou calo.

dez/2004