Antes de cruzar a soleira, portando uma valise e as carnes frias, arrancou, da própria face pálida, os olhos azuis de tempestade e os repousou sobre o criado-mudo. Sentenciou-lhes que não mais chorassem e que cuidassem do amado. Só então, pôde partir - cega - rumo ao desconhecido. O marido, que fora bom, compreensivo e raras vezes infiel, ao deparar-se com os olhos lacrimosos sobre o móvel, entendeu sem bilhete que desta vez não haveria volta. Adeus, amada. Sabia, também, que os olhos herdados eram desobedientes e continuariam a verter águas por tempo indefinido e acabaria por perder toda a mobília e os carpetes e os eletrodomésticos e o que restasse de valor. Por isso, foi com singular prazer que os levou à boca e, sem dificuldade, macerou entre os dentes os olhares incômodos, estrangulando as imagens da amada.
11 comentários:
Caraca,você é muito muito boa no que faz!
A-DO-REI!
muito bom mesmo!
xero
Oi, Mara!
Obrigada pela visita e pelo carinho!
=)
Nossa Marcela, que texto fantástico!
Se você for a Flávia que estou pensando, acho que ganhei o dia! ;-)
Obrigada!
Poxa, esqueci de me identificar direito, Má, é a Flávia da Letras.
Adorei seu conto, mesmo. A concisão, as imagens, a escolha das palavras. É um texto muito forte.
Parabéns pela publicação!
Bjs
Ah! Que bom que gostou, Flavinha! Era você mesma quem eu esperava que fosse! Obrigada pela presença! Saudades!
É verdade, quando a mulher parte, se vão a mobília, eletrodomésticos e o que restasse de valor!
Muito bom Mah, espero que continue assim e consiga mais publicações =)
Saudades.
Beijos, Xoquinha :*
hahahahaha!
Eu recebi várias interpretações deste texto, viu?
Mas nenhuma delas foi assim tão materialista quanto a sua de ver pelo lado da partilha de bens, pensão e otras cositas que fazem o divórcio tão indigesto para alguns homens, rs...
Tinha que ser você, mesmo...
Gostei! Gostei da interpretação e de te ver por aqui!
;*
Marcela, querida
Acabo de te eleger minha escriba que tem o poder de fazer palavras flutuarem. Você traz leveza aos textos - ainda que carreguem os conteúdos mais indigestos. Sua palavras são ritimadas, versam e côro e bailam entre frases, pontos e vírgulas inocentes... fazendo a alma da gente vibrar diante da leitura...literatura!
Ainda hei de ler muitos livros seus minha dileta escriba.
Bjs
Suseli Honório... Aquela das canetasengatilhadas.zip.net
Marcela,
Belo texto. Dramático, angustiante, imaginariamente real.
Parabéns pela publicação!
Teu amigo te manda um beijo,
Rodrigo.
gostei da palavra "valor" aí no meio!
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