segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A Onda

Dessa vez pensei, juro, pensei. Passou a onda e pensei um mar, passou o sal e me senti no mar. Mareou, marejou.
A onda passando, suave e sonora.
Ah, saudadinha boa, a água do mar me saudadifica. A onda na areia esvaindo entre o grão e a conchinha deixa marcada a pegada molhada de outrora.
Ai saudade doida que vai e vem,
se esvai
e quando vem passa pelos dedinhos enrugando, envelhecendo.
A pele envelhece a a água, a onda, o mar...
Ali na beira daquele mar eu vejo o horizonte, eu vejo o céu, eu vejo o sol. Ali, bem ali naquela linha rente entre o céu e o mar o sol vai debulhando, mergulhando, dissolvendo-se como uma enorme aspirina.
E a onda vem espumante, desfazendo a grande azia do mar,
toca os meus pés,
minha alma,
toca uns pensamentos tontos que se escondem no coral abandonado da minha mente.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Cecília Meireles

4o. Motivo da rosa

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


Serenata

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

Dia de Primavera

Um sopro, não uma palavra. Um sopro, não um olhar. Um sopro, não um musculo articulado. Era só um sopro para a porta não fechar, um sopro para a mala não encher, um sopro e findava-se o adeus. O gesto rotatório das areias que movem o sim e o não com um simples sopro se confundiriam e o não viraria sim e o sim não mais existiria.
Sentado no sofá assisto do décimo andar o dia que passa pelo plasma simbiótico da minha janela. O dia esta assim, parado.O ar se rarefaz sem vento, sem movimento.Os dias primaveris são lentos. O tempo da maturação da flor não é o mesmo tempo da maturação de meus ais que floriram numa pálida tarde invernal.
O tempo da maturação da flor densifica a exatidão dos sentimentos que se rarefizeram. Olho para aquele horizonte, olho para as montanhas, verdinhas, estupidazinhas e me lembro da ausência, do quarto escuro e do frio que gela as terras comodais deste apartamento, ao norte as geleiras pérfidas dos sonhos perdidos, ao sul a lareira que nunca fora acesa, a oeste seu retrato me gela os calcanhares e a leste sinto o incomodo dos alpes gelados ao tocar em suas cartas e seus dizeres.
Da minha janela o sol vai escurecendo este mundo gelado, esta é a escuridão. O frio e o silêncio da escuridão sem palavras, sem os olhos e sem promessas. E tudo é raro, e tudo é escasso, e tudo é denso, e tudo é fraco e cheio de defeitos. Seis meses, cento e cinquenta e oito dias. O dia não veio, seus olhos não vieram, as palavras não disseram, os abismos se fizeram mais altos, a morte gelada come meus membros e orgãos, decepa-me as pontas, arranca meus pêlos. E tudo é frio, e tudo é solitário, e tudo é silencioso.