terça-feira, 22 de setembro de 2009

...sempre, sempre, sempre...

"Apesar disso - escutem bem - todos os homens
Matam a coisa amada;
Com galanteio alguns o fazem, enquanto outros
Com face amargurada;
Os covardes o fazem com um beijo,
Os bravos, com a espada!"

Balada da Prisão de Reading,
Oscar Wilde.


Amado,
creia-me:
seus beijos são palavras caídas de algum céu.

Se minhas linhas parecem demasiado doces ao seu paladar, lembre-se: palavras caem, como hão de cair todos os anjos.

Hoje, chama-me “estranha” e lança aos ventos seu repúdio contra mim e minha pouca compreensão de si, dos outros, da vida. Entristeço-me por saber que há razão em seus dizeres, e mais por ter fingido esquecer.

Outrora também fui desconhecida de seus olhos e desde já eu o amava. Naqueles dias, nos salões e nas ruas, entre tantas vozes que se elevaram, foi a sua, em timbre e palavra, que me trouxe do sono que nunca, em verdade, abandonei.

Meus olhos não eram, e não serão, como os seus. Seus olhos, castanhos, estavam tomados pela cólera nascente apenas nos que sabem e revoltam-se contra inimigos reais; enquanto os meus, estes tateiam o espaço ordinário dos descrentes, dos apenas desejantes. Meu rosto, sabíamos desde o princípio, era face do deserto.

  
Minotauro acariciando a una mujer dormida, de Picasso (1933)Como o leite e bolachas de mel, porém, sobrevieram suas palavras. Tomei do alimento em seus lábios, bebi do calor em sua boca e, confesso, sonhei você para mim.

Nas ruas, de tantos rostos que sorriram, de muitos que choraram, foi o seu — distante — que eu quis e amei. Rompia em meus desejos os alicerces de nossa casa, enquanto que nos seus passos eu antevia florescerem as paredes. Com temor, amaríamos cada uma das frestas.

...

Você nunca quis minha realidade, eu sei. Buscava apenas aquilo que de mim são sonho e fantasia. Mas busquei todo você em toda parte, ainda que não me fosse dado conhecer senão parte do que éramos, tantos são os fragmentos de que nos compusemos. Peço, porém, que, antes de acusar-me por deixá-lo ao relento em certos dias, lembre-se: nos campos onde havia fogo e tantos gritos — que nenhum outro cavaleiro ousaria descer as portas e romper as correntes — eu lá estive em demanda. Abriguei seu medo e sua culpa em meus braços e em meu seio estiveram adormecidos.

Eram nossas mãos que se tocavam; eram nossas mãos, a minha e a sua.

Recebi, e não esqueço, o impossível amor... Se no espaço de seu corpo não nasceram os cometas, seja talvez porque tudo quanto semeei foi a vida estática.

Sim, pois também nossos lábios estiveram unidos; é certo que não mais em palavras: silenciamo-nos nesses beijos. Meus olhos estiveram novamente cerrados; a avidez em meus cabelos pintou gris o horizonte. Brotaram as águas de tantas tormentas, assistimos pacientes ao esvaecer de nossa morada.

Volta, então aos labirintos, corredores tão íntimos seus...

Quanto a mim, repousarei sob seus umbrais. Tenho ainda alguns fios que poderiam ser lançados, não estivéssemos tão ferozes em nossa calma, não fôssemos tão incansavelmente nós.

...


Será capaz, você, de velar o meu sono? Velará meu sono, para que eu seja, ainda nos dias em que tentarei matá-lo? Nos dias em que jovens portando espadas invadirem seu esconderijo e ferirem seu corpo em meu nome, ainda assim, lembrará que há entre nós o amor? Saberá que nossos beijos foram ausência em saraivada, caindo de todo céu?

Marcela P.

22/09/2005

"Fumo subia de toda a terra, dos oceanos vaporosos. O fumo do seu louvor!
A terra era como um turíbulo oscilando e balouçando, uma bola de incenso, uma bola elipsoidal. O ritmo morreu de vez; o grito do seu coração estava quebrado.
Os seus lábios começavam a murmurar os primeiros versos, sempre, sempre;
e foram até os versos médios, desatinadamente, gaguejando
e errando: depois pararam.
O grito do seu coração estava quebrado."

Retrato do artista quando jovem,
James Joyce

3 comentários:

Renata (impermeável a) disse...

Tem vezes que o amor, nao dá para colocar em palavras.
AS palavras terminam e o amor aumenta....

rs

Mas, tem vezes que as palavras momentaneas em um poema ficam eternas e o sentimento fulgaz passa

beijos.

O Menino Trovador disse...

estou estarrecido e espantado como essas palavras me vestem - queria eu ter escrito isso!

Qtas saudades!

marcela primo disse...

§

Renata, nem sei mais...

§