terça-feira, 28 de outubro de 2008

Exceção...

Brindemos, amigo meu!

Brindemos aos corações cativos, porque brindes à liberdade são clichê!
Brindemos aos copos que se quebram na mesa ao lado.
Brindemos aos aniversariantes de hoje e aos de ontem... e aos do mês passado, porque deles não me esqueci. Esquecer-me-ei dos aniversariantes do próximo mês?
Brindemos aos poetas, estão vivos e passeiam entre nós!
E peçamos piedade, piedade aos "puretas" que nada sabem sobre o nosso amor.
Brindemos ao poeta de régua e compasso, esquadro medindo o tempo e o espaço, ao poeta que amava Drummond e os seus três mal-amados; ao poeta que sorvido em "minutos de sabedoria" , mostrou-se sabedor de todos os segredos que convulsionam os nossos corações.


"Junto a ti esquecerei..."
(João Cabral de Melo Neto)

I
Junto a ti esquecerei as inúmeras partidas
- as cordas e as amarras nunca se quebraram
e talvez por isso eu permanecerei imóvel sob a tua influência...
Tu pesarás para mim como produto de âncoras
como a pedra amarrada do pescoço do pecador.
Os portos passarão a ser beira de cais
as terras longínquas nada mais me dizem
- quebrei a bússola para evitar a tentação.
Tua presença é poderosa como urros na floresta.
Sinto que extingues em mim
a sombra dos navegadores.

II
A tua atitude te eleva para o alto.
Vejo que cortaste definitivamente todas as amarras.
Daqui eu adivinho os olhos dos homens
perdidos no tempo que nada descobrirão de ti.
Deixa que os não-poetas falem de tua beleza,
esses nunca compreenderão o que há em ti de sombras
de sementes germinando, de vozes de cavernas.
Nem ao menos que é o teu olhar que nos aproxima
que nos torna irmãos para o resto do tempo.
Eu te reconheceria entre todas, porque tua presença eu a pressinto.
Deixa que tuas formas eles a tomem pela essência.
Esses te perderão ainda mais
e nunca compreenderão tuas inúmeras sugestões
que tu mesma desconheces.

III
Esquecerei os teus convites de fuga.
As coisas presentes serão absolutamente insignificantes.
Sentir-me-ei em tua presença como o primeiro homem
que se ia apoderando de todas as formas conhecidas.

IV
Esquecerei todos os convites de fuga.
Os portos serão para nós apenas
as âncoras e as amarras.
Nossos olhos não mais distinguirão
caravelas e transtlânticos sobre o mar.
Nossos ouvidos não mais perceberão
o barulho das ondas que são um chamamento constante.
Então leremos poetas bucólicos
debaixo de uma árvore que deverá ser frondosa.
Indefinidamente rodaremos em torno dela como num carrossel
indefinidamente estarás comigo.

1937

6 comentários:

Bugre disse...

Gostei de "Exceção".
"Brindes à liberdade são um clichê". Verdade.
Lembra "A insustentável leveza do ser".

Beijão, Marcela.

marcela primo disse...

§

Poxa, Marcus!
Agora vou ter que ler "A insustentável leveza do ser". Faz uns 14 anos que o li, nem lembro de nada. Lembro de um casal num apartamento, de um cachorro e de um cemitério... nada de enredo e nada de nada... acho que lembro de um vestido vermelho também...

Em todo caso, esse textinho não tem grandes pretensões. Intitulei essa postagem de "exceção" porque o Murillo e eu combinamos que não escreveríamos posts no estilo "diário" e só postaríamos textos nossos, e esse post é quase um relatório de nossa 2ª feira. Apenas reproduzi os brindes que realmente fizemos (sabendo que eram tão clichê quanto aqueles que nosso orgulho - ou despeito - nos impediram de fazer). Mas, acima de qualquer coisa, precisávamos muito postar esse poema do João Cabral para deixar registrado o momento mágico que vivemos.

PS. há algo mais clichê do que "estar preso por vontade" e "ter com quem nos mata, lealdade"?

§

Anônimo disse...

"A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outro s afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade. E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! (...)" Vinícius de Moraes

~ Admiro vocês. Amizade jamais vista antes...

marcela primo disse...

§

Eu adoro esse texto do Vinicius!

O meu trecho preferido é este:

"Até mesmo aquele distante que não percebe o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de sua existência, a alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.

De fato, eu enlouqueceria se morressem todos os meus amigos. Mas os amores, os amores verdadeiros, são feitos, antes de qualquer coisa de amizade.

Tenho um grande amor, aquele a quem chamarei sempre "amado", que é meu grande amigo, ainda que a vida tenha exigido que nos afastássemos. Saber que ele existe, ainda que não tenhamos mais as longas tardes sentados no chão das livrarias, as noites trash nos cinemas e os milk-shakes compartilhados, é o quanto basta para que meu coração esteja tranqüilo e feliz. Amor sem amizade não é amor. Seja, talvez a paixão ou alguma outra doença...

Mas não é verdade que as amizades não sejam ciumentas. Morro de ciúmes dos meus amigos. O próprio Vinicius, num texto chamado "Para viver um grande amor" (tenho em LP, posso te mostrar na voz dele quando você vier aqui) diz:

"Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor."

O que acontece entre o Murillo e eu é que, além da grande amizade, estamos sempre na mesma sintonia. O que permite que a gente compartilhe todos os momentos com muita intensidade e vejamos poesia em cada um deles!

Beijo!

PS. você e a Rê, embora sejam minhas sobrinhas, estão no rol das minhas amizades... daquelas imprescidíveis, sem as quais eu enlouqueceria.

§

Renata (impermeável a) disse...

Queridos....

O verbo "tilintar", não me sai da cabeça nos últimos dias.....aguçar todos os sentidos!!!!!!!!Uma explicação boa para o brinde com vinho....
"Tilintaremos"....
E se todos "tilintarem" ao brinde, com seus sentimentos pela vida, acredito que o brinde a liberdade se torne menos clichê.....

Eu "tilinto" e grito easy rider!

marcela primo disse...

§

=)

Brindemos à sua presença, então, com muitos tilin-tin-tins! ^^

§