segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Às manhãs

 
Eleven a.m. - Edward Hopper
As manhãs acordam tarde
Já não há como sorrir
E segue o canto triste:
“Estou tão feliz”.
Se fora ontem,
Quem sabe?
Quem sabe não teria
compactuado da felicidade
pura e simples do coração
que se mostra aos olhos meus?
Mas não hoje...
Não neste momento,
Nestas dez horas em que levanto
Querendo estar em coma.
Não nesta tardia manhã que segue uma noite
de mal caídas
lágrimas
(luciféricas? malditas? dementes? lúcidas?)
Não... Não sou capaz de me unir
ao coração puro e simples,
que a noite e o dia já não me bastam!
Busco o limbo, o lugar dos não-sentidos,
dos não-sentimentos, da não-vida e da não-morte...
Só quero negar se puder neutralizar todos os valores:
O dramático, o épico, o lírico
Já não me convencem mais
A realidade (se há) tampouco.
Não resta em mim
nenhum dos humores...
Se não me é de posse o ódio,
Também o amor abandonei/desde o princípio
“Pássaro de asas tortas,
(dos amigos, de Carlos, de Vinicius,
de quem mais? Não me lembro agora...)
Queria dominar teu canto zombador,
Marcar tuas dádivas inexclusivas
Com números profetizados,
Lançar-te ao lago de fogo.”
Não sou Deus. E estou tão feliz!

29 de Dezembro de 2006

9 comentários:

Renata (impermeável a) disse...

galo tecendo a manhã.......

O Menino Trovador disse...

Lembrei muito de Mario Quintana quando li esse seu poema Ma. Inclusive tenho um poema pra você desse nosso velho amigo:

BILHETE
Se tu me amas
ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados
deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim

Se me querer,
enfim,

...tem de ser bem devagarinhop,
...amada,

...que a vida é breve
...e o amor
...mais breve ainda.

(Mario Quintana)

marcela primo disse...

§

A gente escreve as coisas e não faz a menor idéia do sentimento, imagem ou memória que vai despertar em quem lê...

Renata lembrando de João Cabral, Murillo lembrando de Quintana... e eu que só lembrei deste texto antigo porque li os "Sonetos do Pássaro" do Drummond.

Não os conhecia em 2006, quando escrevi este poema. Quando o fiz, pensava no anjo de asas tortas que decretou ao poeta que ele seria gauche na vida.

Enfim, postei porque, de certo modo, tenho vivido essa atmosfera de "cantiga de amigo", mas não é mais o tipo de texto que quero escrever. Não é pelo tema nem pela forma, mas pelo tom.

Quero, antes, o som e a imagem que o drama e a idéia. E esse textinho é dramático que dói.

Sobre o poema do Quintana, como resolver esse paradoxo? Do "amar devagarinho" se tudo é breve?

Mas deixo, para nós, um outro "quintanar":

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!


("Poeminho do Contra", Mário Quintana)

§

O Menino Trovador disse...

Essa eu dedico a toda angústia e desespero que eu venho causado nas almas translúcidas que abarcaram dentro e fora do meu peito.

Peço perdão.

Deixe-me seguir para o mar

Tenta esquecer-me...Ser lembrado é como
evocar-se um fantasma...Deixa-me ser
o que sou,o que sempre fui,um rio que vai fluindo...

Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
me recamarei de estrelas como um manto real,
me bordarei de nuvens e de asas,
às vezes virão em mim as crianças banhar-se...

Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir...é seguir para o Mar,
as imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir,passar,cantar...

toda a tristeza dos rios
é não poderem parar!

Mário Quintana

marcela primo disse...

§

Eu sou a "Mar"... há rios para desaguar em mim?

§

Anônimo disse...

...

marcela primo disse...

§

Reticências pra você também...

§

Anônimo disse...

É dramático, mas não dói tanto assim, vai.

Nestas dez horas em que levanto
Querendo estar em coma.




É, talvez doa um pouquinho.

 

marcela primo disse...

§

rs... pesado, né? rs... o textinho é bem por aí, mesmo...

Mas meu comentário aqui não foi usando o dramático no sentido mais corriqueiro de "dorido", mas no sentido de teatral, talvez, prosaico. Assim como o que dói eu não usei no sentido literal, mas como uma expressão que a gente usa no interior de SP pra dizer que algo é negativamente excessivo ("aquele cara é feio que dói", por ex, rs...).

E isso me faz lembrar que a "dezembro de 2006" é a data de publicação no meu antigo blog, mas eu escrevi esta porcariazinha bem antes, em 2002 ou 2003, eu acho.

Foi quando meu professor de estilística falou que meus poemas estavam tendendo mais à prosa do que à poesia.

§