quarta-feira, 26 de maio de 2010

Meus amores vãos

Em memória de Ísis Rodrigues



Suponho que me entender
não é uma questão de inteligência
e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.
Clarice Lispector


Não é o gosto pelo trágico, meu amor. É a aversão pelo que é metade.

Eu não queria ter abandonado sua cama sem me despedir, há alguns anos. Eu não queria ter feito você adoecer, há alguns meses. Eu não queria ter batido a porta do seu carro, hoje à tarde.

Eu queria que todo aquele amor em cânticos, tivesse se feito carne ao menos por uma noite para eu me sentir mais viva. Eu queria que aquele desejo demoníaco, se satisfizesse todos os dias de nossas vidas para eu me sentir eterna. Eu queria que você me lançasse palavras duras, ásperas, que expressassem a medida exata do seu desprezo por mim; para eu saber o meu lugar, para eu sentir que você está vivo.

Eu queria que você tivesse me resgatado; segurado firme a minha mão e não me deixasse fugir nunca mais: porque eu já não sei viver sozinha.

Eu queria que você tivesse me assassinado - docemente - na última noite, me punisse por toda a minha vileza: porque eu já não sei morrer sozinha.

Eu queria que você me curasse ou me ferisse: porque eu já não sei amar sozinha.

Eu queria que você, o que ainda me ama, fosse capaz de me desejar. Você que às vezes me deseja, fosse capaz me alcançar. Você que sempre me alcança, fosse capaz me amar.

Eu queria que vocês tivessem corpo, nome e voz.

Não, não quero nada - abismo e silêncio, talvez - mas que seja por inteiro.


*


Perdão, minha pretinha, por dedicar em sua memória um textinho tão mal escrito, cheio de rasgos sentimentais, feito no calor da hora - caneta bic em papel manchado de lágrimas. Mas pra além do sorriso mais bonito do mundo que você tinha, eu lembro de você recitando e se emocionando com o "Poema em Linha Reta" do nosso Álvaro de Campos. Lembro das palavras da Clarice que me serviram de epígrafe e que foram as últimas que você usou em seu perfil. Penso na blusa vermelha d' "O Teatro Mágico" que você usava quando toquei suas mãos frias pela última vez e eu sei, eu sei que "sou tão perto de você". Te amo. Esteja bem. Luz!

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